Ser eleito para um cargo público é um bom negócio? Evidências das eleições municipais no Brasil

August 2, 2019

Não é raro encontrarmos no noticiário político denúncias sobre a evolução patrimonial de agentes públicos. Um exemplo desse aumento patrimonial é o deputado federal Aelton Freitas que, em 2006, informou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um patrimônio de R$1,4 milhão. Porém, quatro anos mais tarde, quando foi reeleito, informou ao TSE um patrimônio de R$5,4 milhões, um aumento de 321% em quatro anos como deputado federal.

Embora esse fenômeno não seja particular de países em desenvolvimento, a corrupção é vista como um problema crônico na América Latina. Neste artigo, buscamos explorar essa questão do ponto de vista do enriquecimento de políticos por meio da atividade pública. A partir da análise do caso brasileiro, investigamos se os políticos tiram proveito de seus cargos para enriquecerem. Em outras palavras, buscamos avaliar se ser eleito para um cargo público traz benefícios econômicos privados.

Os resultados sugerem que não. Ao compararmos o patrimônio de candidatos eleitos e não eleitos que disputaram eleições acirradas e que se reapresentaram na eleição seguinte, não encontramos evidências favoráveis para essa hipótese. Ser eleito prefeito no Brasil não traz benefícios econômicos aos candidatos.

É importante notar que isso não quer dizer que o patrimônio deles não aumente entre eleições. Provavelmente há um aumento. Mas caso eles não tivessem sido eleitos, e continuassem exercendo suas atividades fora do mandato eletivo, eles teriam aumentado o seu patrimônio na mesma magnitude.

Uma primeira crítica a esse resultado poderia ser o fato de o patrimônio ter como fonte a autodeclaração dos candidatos junto ao TSE. Assim, é possível que alguns candidatos reportem uma quantidade de bens menor do que a que eles realmente possuem. Por exemplo, candidatos que não foram eleitos podem divulgar o valor total de seus bens. Uma vez que eles não exerceram o cargo de prefeito, eles não têm motivos para reportar um valor diferente. Por outro lado, candidatos que foram eleitos podem divulgar um valor abaixo do que realmente possuem para não levantarem suspeitas sobre as suas atuações políticas. Logo, o efeito nulo que encontramos seria fruto da subestimação do patrimônio declarado pelos candidatos eleitos.

Para contornar esse problema, nós simulamos a porcentagem do patrimônio que os candidatos eleitos deveriam deixar de divulgar para que possamos encontrar um efeito positivo do exercício do cargo eletivo sobre o patrimônio. Com isso podemos avaliar quão plausível é o cenário de subestimação dos bens declarados. Nossos resultados mostram que para que o exercício do cargo de prefeito aumente o patrimônio dos eleitos - em comparação aos não eleitos –, eles deveriam deixar de declarar 75% de seus patrimônios. Para termos uma ideia, o patrimônio médio declarado pelos candidatos eleitos, em nossa amostra de eleições apertadas, é igual a R$527.511,50. Assim, em média, eles deveriam deixar de declarar R$1.582.535,00: um valor muito alto.

Outra possível crítica está associada aos bens dos familiares dos políticos. Muitos políticos podem enriquecer por meio de atividades ilícitas. No entanto, eles podem repassar os recursos obtidos aos seus familiares de modo a não levantarem suspeitas sobre as suas condutas. Desse modo, o efeito de ser eleito para um cargo público afetaria o patrimônio dos familiares e não o dos candidatos. Mas, ao testarmos essa hipótese, não encontramos evidências de enriquecimento dos familiares dos candidatos.

Também não encontramos efeitos de longo prazo, diferenças entre os partidos políticos e as regiões do país. A experiência política prévia, da mesma forma, não afeta as nossas conclusões. Tanto novatos quanto veteranos não enriquecem por conta do cargo político. Por fim, a autosseleção de se recandidatar ao cargo de prefeito e o fato de limitarmos as análises às eleições competitivas também não prejudica a nossa conclusão. Ser eleito para um cargo público não causa um aumento no patrimônio dos políticos.

Esses resultados são, à primeira vista, contraintuitivos. Sobretudo porque, no período recente, diversas denúncias de corrupção têm sido veiculadas pelos principais jornais brasileiros. A grande cobertura dos casos do Mensalão e da Lava Jato são exemplos disso. Também não é raro que, em pesquisas de opinião, as pessoas considerem a corrupção como um dos maiores problemas do país.

Uma possível explicação para esse resultado pode decorrer das escassas dotações orçamentárias da maioria dos municípios brasileiros. Se um município não possui recursos, o governo local não tem capacidade de firmar contratos e convênios com o setor privado, que é uma importante fonte para a fraude de contratos públicos, para o desvio de fundos e para o superfaturamento na contratação de serviços. Assim, o enriquecimento via corrupção só seria possível em municípios com condições orçamentárias abundantes.

Por outro lado, municípios maiores e com mais recursos também possuem maior disponibilidade de informações, bem como instituições de controle horizontal mais efetivas, o que reduziria os incentivos para a atuação corrupta por parte dos políticos. Essas, porém, são apenas algumas hipóteses que não foram testadas. Portanto, mais pesquisas precisam ser realizadas.

 


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How to Cite: Izumi, M. Y. (2019). Ser eleito para um cargo público é um bom negócio? Evidências das eleições municipais no Brasil. Latin American Research Review, 54(2), 329–347. DOI: http://doi.org/10.25222/larr.128

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Maurício Yoshida Izumi
Mauricio Izumi é doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo e pesquisador do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (Cepesp/FGV).