Jorge Amado em Dom Casmurro

September 6, 2016
Dom Casmurro

Num artigo publicado na Latin American Research Review examino o trabalho do escritor Jorge Amado como redator chefe no jornal literário Dom Casmurro (1937–1946). Embora estudiosos considerem a importância do escritor como literato e militante neste período, a atuação em Dom Casmurro tem recebido pouca atenção. O escritor baiano atuou como redator-chefe do jornal no Rio de Janeiro durante o período de 12 de agosto de 1939 a 4 de maio de 1940.

Chama a atenção o momento de criação deste jornal, assim como os seus quase dez anos de circulação, marcadamente uma época de repressão e controle do Estado Novo (1937–1945). Este periódico iniciou sua circulação semanal no dia 13 de maio de 1937 e se manteria durante quase dez anos até o fim de suas atividades em dezembro de 1946. Fundado por Brício de Abreu (1903–1970) e Alvaro Moreyra (1888–1964) o jornal se constitui em um relevante periódico de circulação nacional sobre literatura e cultura.

O artigo evidencia as complexas relações existentes durante o período do Estado Novo (1937–1945) entre os escritores, a imprensa e esse Estado autoritário. O estudo de Dom Casmurro, durante o curto período em que atuou o escritor baiano, permite evidenciar os equívocos seja de afirmar a cooptação dos intelectuais pelo Estado Novo, seja o contrário, de considerar que determinados intelectuais ou imprensa eram instrumentos do Partido Comunista.

Entre um e outro polo existiram tensões e contradições que impedem qualquer afirmação nesse sentido. Se por um lado Brício de Abreu negava reiteradas vezes não ser o jornal uma “coima de comunistas”, como se dizia—e que de fato não era—por outro também não era tão indiferente à política como pretendia parecer. Em realidade a disputa fala muito mais das difíceis e complexas relações que se estabeleciam no campo intelectual numa conjuntura política tão restritiva como foi do Estado Novo.

O intenso debate político e o alinhamento em torno de uma determinada posição era uma preocupação presente na vida nacional e que atravessava o debate cultural. A complexidade deste cenário é ainda maior se lembrada a participação, mais nem sempre cooptação, de muitos intelectuais no Estado Novo. Fundar e manter um jornal dependia da benevolência ou não do estado. Diversas formas de controle direto e indireto existiam e que tornavam o trabalho jornalístico um difícil jogo de esgrima.

A opção por Jorge Amado para assumir a direção de redação do jornal demonstra tanto as preferências políticas quanto literárias que prevaleciam em Dom Casmurro. Já em 1939 eram conhecidas as ligações diretas de Jorge Amado com o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e as perseguições que o escritor sofria. Da mesma forma era tido como um talentoso escritor com seis romances de sucesso. Antes de assumir a chefia de redação em Dom Casmurro Amado também era conhecido colaborador e publicara no mesmo jornal em 1938, alguns artigos sobre a viagem que realizara pela América Latina.

No novo cargo, durante o período de agosto de 1939 a maio de 1940, escreverá semanalmente uma coluna na primeira página do jornal. Antes dele, Marques de Rebelo ocuparia o mesmo cargo. Na gestão de Jorge Amado o jornal apresenta na coluna de créditos os seguintes redatores: Anibal Machado, Manuel Bandeira, Edith Margarinos Torres, Zoya de Laet, Wilson Louzada, Durval de Azevedo e Franklin de Oliveira. Redator Desenhista, Augusto Rodrigues, Santa Rosa, Jacques Bertrand, Sotero Cosme.

Por sua vez o jornal desenvolve em suas páginas intenso debate sobre qual era efetivamente seu papel. Era ele veículo de expressão literária ou representante de uma determinada corrente política?

Não deixa de ser surpreendente o longo período de existência do jornal apesar da presença de comunistas como foi o caso de Jorge Amado. Nesses longos anos, como pode ser auferido das fontes levantadas, o jornal sofreu acusações e teve muito provavelmente que negociar posições mais radicais. Entretanto os matizes da relação demonstram a existência de uma pluralidade e de possibilidades de atuação mesmo quando a ação do estado pretende ser restritiva. Analisar o período em que o escritor militante como Jorge Amado atua no jornal Dom Casmurro possibilita compreender melhor essa dinâmica.

Melo, Ana Amélia M. C. de. 2016. “Jorge Amado: A militância das letras.” Latin American Research Review 51(1): 181-197. DOI: 10.1353/lar.2016.0009

About Author(s)

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Ana Amélia M. C. de Melo
Ana Amélia M. C. de Melo é professora no Departamento de História na Universidade Federal do Ceará. Tem desenvolvido trabalhos em torno da relação entre escritores e política.